-
Ele olha para todas as garotas do primeiro ano e sem exceções. – disse
para Mari, enquanto fitava Paulo deitado de baixo do velho carvalho.
-
Mas ele deu em cima de você. Não em todas as garotas do primeiro ano.
Dei
de ombros. Pra falar a verdade, eu não conseguia prestar muita atenção
no que a Mariana dizia quando Paulo estava por perto. Observar seus
mínimos detalhes, havia
se tornado um passa-tempo obsessivo para mim. Era tudo encantador,
delirante...
Eu parecia me apaixonar por tudo nele: o modo como o sol batia em sua
pele
clara, o cabelo ondulado, o sorriso sincero, a expressão sacana e o
olhar
dominador, que ele deixava sobre mim sempre que nos esbarrávamos nos
corredores
do colégio.
E
o pior de tudo é que eu gostava daquilo. Gostava muito. Não era comum eu me
sentir submissa á caras da minha idade, mas Paulo tinha um “algo a mais”, que
acendia uma chama incontrolável dentro de mim.
-
Vamos... – Mari se levantou e me puxou pela mão. – Não quero me atrasar
para aula.
Me
chacoalhei, afim de tirar o pó do uniforme. Caminhei devagar até o pátio, sem
tirar os olhos de Paulo uma vez sequer. Já estava subindo a escada quando vi
uma outra garota se aproximar dele. A qual ele abraçou, brincou, e fez cócegas.
Cutuquei a Mariana e os indiquei com um movimento de cabeça.
-
Você não tem como ter certeza de que é só em cima de mim que ele dá... –
sussurrei com o olhar caído.
Ela
soltou um suspiro longo e nós fomos para a aula.
Sempre
pensei que física fosse uma matéria fascinante. Daquelas que você descobre
coisas super curiosas, faz experiências divertidas, e jamais se enjoa. Mas meu
professor parecia deixar tudo tão chato, que era quase inevitável adormecer
sobre as folhas de fichário.
-
Entenderão até aqui, senhoras e senhores? – ele disse em um tom mais alto, me
fazendo chacoalhar a cabeça e arrumar a postura.
-
Ei... – cutuquei Mari. – Você ouviu algo do que ele disse?
Ela
fez que sim com a cabeça.
-
Que ótimo, porque se você não me ajudar na matéria, eu vou tirar um zero mais
redondo do que a cabeça do professor.
Ela
riu, continuou anotando o que ele dizia. Rabisquei o nome do Paulo na mesa, e
me lembrei dele e da garota. Já tinha visto coisas parecidas. Ele tratava todas
as meninas com uma atenção especial. O que, definitivamente, não era comum.
Isso sem contar suas amizades. Todos os garotos com quem ele andava tinham
aquela fama de “galinha”, “pegador”, ou coisas piores. Era só questão de tempo
até o nome dele começar a correr junto aos mesmos apelidos patéticos.
Era
o primeiro ano dele no colégio. A diretoria havia liberado três salas novas, e
um monte de gente nova surgiu. Muitas pessoas, muitas novidades, muitas
informações. E no meio de tanta coisa nova, eu não entendia porque raios eu fui
ter interesse logo nele. Tinham outros garotos bonitos. Muitos outros, muito
mais bonitos, mas foi nele que eu enxerguei o “algo a mais” que eu procurava em
cada rosto sonolento nas primeiras manhãs de aula.
E
tamanha foi minha surpresa quando entrei na sala do grêmio estudantil pela primeira
vez, e o vi sentado no fundo, com uma das pastas azuis na mão. Seu olhar veio
de encontro ao meu e eu senti pela primeira vez aquela faísca insistente, que
em pouco tempo se tornou uma chama que me dominou por completo.
-
Qual seu nome, senhora? – o professor de física interrompeu meus pensamentos.
- Gilmara.
-
Certo, senhora Gilmara. Você fez os exercícios?
-
Não.
-
Porque não?
-
Eu não consegui. – mentira. Sequer tinha tentado. Meu plano era o de copiar os
da Mari, mas pensar no Paulo me roubou muito tempo.
-
Certo. Vamos fazer esse aqui juntos.
E
ele começou a fazer uma série de perguntas matemáticas, que eu respondi
roboticamente, até que o sinal tocou. Ele pediu para que todos permanecessem
sentados, enquanto ele terminava a explicação. Desviei minha atenção da lousa á
porta, me deparando com algo que eu nunca tinha notado antes: todas as
sexta-feiras, quando minha turma saía da aula de física, quem entrava era a
turma de Paulo.
E
lá estava ele. Recostado na porta, com um sorriso sacana no rosto, o cabelo
bagunçado, a mochila pendurada em seu ombro por somente uma alça, a jaqueta de
couro reluzindo á luz do sol.
O
professor fez um sinal, e toda a sala se retirou. Segurei a Mari pela blusa .
Sabia que a próxima turma não podia entrar até que o último aluno saísse.
Guardei meu material calmamente, e segui a Mariana até a porta.
Ela
começou a tagarelar sobre a próxima aula, e eu encarei Paulo. Ele encarou de
volta, mas dessa vez eu não desviei o olhar. Estava passando por ele, sentindo
o cheiro forte do seu perfume amadeirado, quando uma mão sua me segurou pela
cintura aproximando nossos corpos, e a outra brincou com meu cabelo até chegar
á minha nuca e fitei seus olhos e prendi o ar.
Podia
sentir sua respiração batendo contra meu rosto. Fechei os olhos, e alguns
segundos depois senti seus lábios pousando em minha bochecha, apenas a alguns
milímetros da minha boca. Quando ele se afastou soltei o ar, e o vi sorrir
enquanto entrava na sala. Corri até Mari, que continuava falando sem parar,
como se eu nunca tivesse saído de seu lado.
“Não
desmaie!”, pensei comigo. “Não desmaie!”
As
próximas aulas fizeram com que os ponteiros do relógio se arrastassem
preguiçosamente, como se não tivessem intenção alguma de alcançar as próximas
horas. E minha mente fervilhava com as emoções que meu corpo produziu quando
Paulo me deu um mísero beijo na bochecha. Enquanto tentava não pensar nas
outras garotas com quem ele – possivelmente – flertava, elaborei uma teoria
sobre neurônios sensoriais no coração. Obviamente uma hipótese boba, mas a
única explicação para aquela ardência gostosa que eu estava sentindo dentro do
peito. Rabisquei seu nome na mesa mais uma vez. Ao notar, Mariana me lançou um
olhar reconfortante.
-
Talvez aquela garota fosse só uma amiga mesmo... – ela sussurrou e voltou a
prestar atenção na aula.
Mordi
o lábio inferior. Podia ser só uma amiga. Assim como todas as outras garotas
com as quais ele conversava.
Ou
não. Era mais provável que existissem neurônios sensitivos no coração do que
aquelas garotas serem apenas amigas dele. O histórico de sua turminha era bem
específico: quase todas as garotas do colégio já haviam passado pela mãe de um
deles. Até eu mesma, já havia ficado com um amigo dele. Porque Paulo seria
diferente? O fato de ter rolado mais de um beijo não significava que eu fosse
mais importante, ou menos descartável. Recolhi meu material e me levantei no
exato momento em que o sinal bateu, saindo apressadamente pelos corredores. Não
esperei Mari, ou qualquer outro amigo meu. Só queria ir para bem longe dali, e
parar de pensar nele. Os sinais dele me confundiam da cabeça aos pés. E isso
estava me roubando a sanidade.
-
Para! – ouvi uma voz feminina se aproximando. – Isso faz cócegas.
Virei
em outro corredor, e encontrei Paulo fazendo cócegas em uma loira, enquanto
alguns de seus amigos riam á sua volta.
- Gil?! – ele disse e se afastou da loira.
Arqueei
as sobrancelhas e me afastei. Sabia que ele estava me seguindo, mas não daria
mais bola para o que ele falava. Éramos apenas diversão um para o outro, era
assim que tinha de ser. Foi um erro meu imaginar algo a mais.
Atravessei
o portão do colégio feito um furacão, e o ouvi gritar meu nome mais uma vez.
Apertei o passo, e senti algo me puxando pelo braço.
-
Ei! Estou falando com você. – Paulo me olhou confuso.
-
Ah... Desculpa, mas eu tenho que ir... – tentei me desvincilhar de suas mãos.
-
Espera... é importante.
Parei
por um segundo e olhei em volta. Os alunos que saíam animadamente pelo portão
faziam uma roda á nossa volta. Mari estava no meio deles, sorrindo e acenava
para mim.
Olhei
de volta para Paulo, que agora estava ajoelhado em minha frente segurando uma
caixinha.
-
Eu sei... – ele disse em um tom bem alto. – Que não era de se esperar. E
realmente, eu não tinha muita certeza. Mas... Eu quero você saiba que eu estou
perdidamente apaixonado por você. E não é pela sua beleza, inteligência, ou seja
lá o quê. É porque você tem “algo a mais”.
Me
surpreendi ao ouvi-lo usar minha expressão.
-
E eu não quero, nem pretendo ficar mais longe de você. Você quer namorar
comigo? - Todos
fizeram barulho, gritaram e bateram palmas. Eu me sentia fora de órbita.
Mas e as outras garotas?
Mas
e as “amigas”?
Mas
e os amigos cafajestes?
Mas
e os “mas”?
Ele
se levantou, e me abraçou:
-
Deixa as dúvidas de lado. Deixa os poréns de lado também. Deixa tudo de lado e
me dá um chance.
Baixei
os olhos até a caixinha aberta na mão dele, e depois os subi até seus olhos. Não
era á ele que eu daria uma chance. Era á mim mesma. Não era por ele. Era por
mim. Eu merecia.
-
Sim.

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